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Reinvenção do trabalho

A trajetória profissional e as perspectivas do mercado para os mais velhos

   Sentada em sua poltrona – usada pela sua família durante mais de 60 anos e da qual ela não se separa, a senhora Neuza Guerreiro de Carvalho concede uma agradável entrevista. Os cabelos brancos não limitam a sua descrição: dotada de uma memória excelente, conta sobre sua infância e revive diversos momentos com grande facilidade, que pode ser explicada pelas diversas pastas onde guarda anotações de todos os dias. Ela evidencia que não gosta do termo “terceira idade”, por ser muito limitador e carregado de estereótipos. Viúva e com 85 anos, as linhas de expressão no seu rosto, as mãos levemente trêmulas e o ritmo lento de caminhar (porque sua perna dói) não deixam negar que ela guarda muitas histórias. Aliás, elas são a paixão de Neuza, que sempre se dedicou a produção de narrativas: anotações em forma de diário, registros do passado de toda a sua família, criação de contos e outros textos na internet. Depois de horas conversando, é inegável a sua facilidade em rememorar e a sua urgência em transmitir um pouco de si ao mundo.

   Ao entrar no seu apartamento, localizado na Lapa, o visitante tem a sensação de estar entrando no passado de Neuza. A porta é aberta por ela, que recebe a visita com um abraço e um carinho que o faz acreditar ser seu neto. Logo é possível ver prateleiras abarrotadas de livros de todos os tamanhos, idades e cores. No meio de sua biblioteca particular, a televisão exibe suas cores digitais, imagens cujos pixels não carregam tantos sentimentos e histórias como cada página daqueles livros. Sentamos em suas relíquias: o sofá e as poltronas, que proporcionam conforto para seus familiares há mais de 60 anos. O movimento de desligar a televisão parece ser o alarme que indica a hora certa de começar a entrevista, depois de conversas sobre a vida pessoal e a situação política e econômica do Brasil. Câmera, Neuza e entrevistadora preparadas, é hora de se sentar para ouvir uma história que, apesar de real, tinha de tudo para ser um livro best-seller.

    O diferencial da simpática senhora, além de sua personalidade, é a capacidade de seguir em frente, estando sempre atualizada e buscando traçar seu próprio caminho - mesmo quando as oportunidades são poucas e a sociedade determina um papel limitado a ela. Filha única, Neuza foi muito dedicada aos estudos e teve a oportunidade de seguir esse caminho. Seu pai, ao contrário da maioria das pessoas da época (anos 1950), acreditava no valor dos estudos e chegou a matriculá-la em um colégio particular. Ela seguiu o ensino científico durante o período correspondente ao atual "ensino médio" e foi uma das poucas mulheres a entrar no ensino superior. Na primeira parte da entrevista, ela relata como escolheu sua profissão (professora de Ciências) e descreve as melhores lembranças e os seus trabalhos de destaque na área.

 

   Como professora de Ciências, ela iniciou sua carreira logo após a formatura do curso de História Natural na USP, no Palacete Glette. O primeiro trabalho foi no cursinho de um colega, o Max. O trabalho mais longo foi no Colégio Campos de Salles, no qual ela ficou por 26 anos. Entre suas realizações, ela cita a criação de bicho-da-seda, o desenvolvimento do material didático, o contato dos alunos com os animais e a participação no trabalho comunitário que dada enxovais completos para mães carentes nos postos de saúde.

Capa e apresentação do seu projeto de estudos (Foto: Bárbara Gaspar)

Neuza mostra como as salas deveriam ser organizadas em grupos de poucos alunos, para um trabalho mais dinâmico e com a particpação de todos. (Foto: Bárbara Gaspar)

Guia de materiais para as aulas. (Foto: Bárbara Gaspar)

   Em 1980, Neuza entrou numa nova fase da vida ao se aposentar. Tinha apenas 50 anos. Contudo, ela não teve um descanso. Ficava em casa responsável pelos afazeres domésticos, cuidava dos seus pais e dos pais do seu marido Ayrton, administrava a casa em Caraguatatuba e o sítio em Extrema. Fazia questão de aproveitar o tempo livre para ir a concertos e se dedicar à leitura. Em 1994, começou a fazer chocolates em casa para vender. O negócio não deu certo porque ela acabava dando muitos produtos de presente para os amigos e famliares e também devido à abertura para os produtos importados após a implantação do Plano Real. Seus chocolates não conseguiram vencer a concorrência.

   Na segunda parte da entrevista, ela expõe sua rotina atual e as mudanças nas opções de lazer.

Apesar das dificuldades para se manter no mercado de trabalho e da renda apertada para pagar todas as contas, a senhora Neuza se mantém otimista e positiva. Na parte final da entrevista, ela relata como conseguiu se atualizar, adentrar no mundo digital e criar novos projetos para transmitir seu conhecimento e aproveitar suas qualidades.

Neuza trabalha no seu escritório. (Foto: Bárbara Gaspar)

Arquivos com todos os seus relatos pessoais. (Foto: Bárbara Gaspar)

Pasta onde ficam todas as contas pagas. (Foto: Bárbara Gaspar)

Um dos seus trabalhos: O Bauzinho da Memória. (Foto: Bárbara Gaspar)

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